A fina Flor do Sal


Revista Globo Rural – Ed. 304 Fevereiro 2011.
Campo Aberto
Texto; Janice Kiss


AS SALINAS DO RIO GRANDE DO NORTE PROPORCIONAM UMA SAFRA DE NOVE MESES, SÓ INTERROMPIDA NA ÉPOCA DAS CHUVAS

Somente uma combinação harmoniosa entre marés, ventos, chuva e sol podem fazer “brotar“ a flor de sal, ingrediente valorizado pela gastronomia moderna. O produto é originário da primeira camada formada nas salinas, da espessura de uma unha, composta de pequenos cristais que estalam na língua e oferecem sabor perfumado aos pratos. O mais valorizado do mundo é o “fleur de sel” francês obtido nas salinas de Guérande, na costa da região da Bretanha.

Há seis anos, porém, o mercado já recebe três toneladas anuais de um produto genuinamente brasileiro, ofertado pela Cimsal (Comércio e Indústria de Moagem e Refinação Santa Cecília Ltda.). Em 2011, a empresa se prepara para exportar para seus concorrentes internacionais, como França e Portugal.

Segundo Roberto de Freitas, coordenador comercial da empresa, a Europa não tem como competir com a colheita nacional. As salinas localizadas em Mossoró e Areia branca, no oeste do Rio Grande do Norte, proporcionam uma safra de nove meses, só interrompida no inverno nordestino, que corresponde à estação das chuvas (a Europa apresenta apenas três meses de condições ideais).

A Coleta dos cristais de sal é manual, feita com pá de inox, durante dia ou noite
A área de produção potiguar, de mil metros quadrados, conta com temperatura mínima de 34 ºC e ventos de até 22 quilômetros por hora, constantes durante o ano. “sem essas condições, não tem produção“, informa Roberto. A extração está integrada a uma área de 3 mil hectares, parte dela explorada pela empresa na produção de sal comum, com 600 mil toneladas por ano, há três décadas e meia. O estado fornece 95% desse produto, consumido em todo o país. A obtenção do sal ocorre quando rios intermitentes estão repletos d’água (apenas na época das chuvas) e se misturam com o mar. desse encontro se dá o espraiamento, enchendo as várzeas e formando porções de água retidas em tanques. Depois de alguns dias, a água evapora, deixando livres os cristais que são limpos, secos, triturados e peneirados (no caso do produto nacional).

A Flor de Sal é originária da primeira camada que se forma sobre as salinas (acima)

Mas a flor de sal requer um tratamento sofisticado. A qualquer hora do dia ou da noite, quatro coletadores especializados precisam estar a postos para retirar os primeiros flocos irregulares e úmidos, que podem brotar a qualquer momento. Eles são recolhidos apenas com pá de inox com toda delicadeza, escorridos em peneira e expostos para secar durante um dia inteiro. Tudo é feito de forma artesanal, inclusive os processos de envase e rotulagem das embalagens de 150 gramas, que custam entre 30 e 35 reais e tem São Paulo, Rio de Janeiro e Curitiba como seus maiores mercados consumidores. 

O preço dos importados gira em torno de 60 reais por unidade. Roberto de Freitas, da Cimsal, esclarece que o produto extraído das salinas nordestinas recebe uma pequena pulverização de iodo (0.04 gramas para cada quilo, no máximo) para atender as normas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). A exigência esta ancorada na lei 6.150, de 1974, que regulamenta produção de sal no país. Essa adição tornou-se necessária, pois, na década de 1950, existia uma incidência no país de quase 21% de bócio endêmico, popularmente conhecido como papo. A carência de iodo prejudica a produção de hormônios da tireóide. Além disso, a falta desse elemento na alimentação também diminui a resistência a infecções e o equilíbrio de diversas funções no organismo.
           
Há um ano e meio, chefs de cozinha brasileiros começaram a discutir se a flor deveria receber iodo, visto que ela o contém naturalmente – por sinal, o mesmo índice exigido pela ANVISA. “O argumento é relevante, mas há uma lei ligada a saúde pública que estabelece uma quantidade extra. Precisamos respeitá-la enquanto não houver alterações”, explica Roberto de Freitas.

            O sal é um dos mais antigos condimentos usados pelo homem. Além do sabor, ele é fundamental nos processos de conservação dos alimentos. No Brasil, é produto dos mais baratos, em torno de R$ 1,50 real por quilo, mas nem sempre foi assim. Ele já valeu feito ouro na época do Brasil Colônia (1530-1822), quando fazia parte dos itens que compunham os testamentos junto a outros bens preciosos das famílias abastadas da época.

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